Eu não me incomodo com a demora de tua resposta. A espera trás palavras que reverberam na mente a todo instante, trás também sensações que muitos hoje desconhecem, como, por exemplo: a ansiedade, tornando a espera saborosa como um bom vinho. "Bebo" cartas e poesias como quem brinda à vida, assim como escrevera Boudelaire: "É preciso estar sempre embriagado... Com vinho, poesia ou virtude... Como achardes melhor". Como agora te digo, embriago-me de vinho e poesia, porque de virtude, minha querida, não me cabe, não mais. Virtudes... deixo-as para meus filhos. Estes sim têm o melhor de mim.
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Alegro-me em saber que tu estás bem. Será que podemos esperar tua presença física em terras europeias? Já fico imaginando os alemães em quantidades olhando-te passar. Eu aprecio muito as expressões abobalhadas dos homens quando tu passas. Recorda-te de uma de nossas noites em que fomos à Reeperbahn com nosso amigo de outra nacionalidade?
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Alegro-me em saber que tu estás bem. Será que podemos esperar tua presença física em terras europeias? Já fico imaginando os alemães em quantidades olhando-te passar. Eu aprecio muito as expressões abobalhadas dos homens quando tu passas. Recorda-te de uma de nossas noites em que fomos à Reeperbahn com nosso amigo de outra nacionalidade?
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Bom que citaste o famoso beijo-lésbico - acredito que a ignorância popular permite-me o acréscimo do hífen, já que entendo beijo simplesmente como ele o é: beijo! Não entendo o alarde desses hipócritas, são tantos os pecados descritos na bíblia. Há diversos tipos: engraçados, inacreditáveis, ridículos, moderados, graves e impossíveis (será que esqueci algum outro tipo? Leia Levítico 19:19). Sem contar com as descobertas sobre traduções errôneas de palavras no texto sagrado (sagrado? Como é louvável a ciência, não achas?). O que não me espanta é a revolta perante o amor. O que não me espanta é a aceitação da violência no nosso dia-a-dia. "Já o verme — este operário das ruínas — / Que o sangue podre das carnificinas / Come, e à vida em geral declara guerra...". Augusto dos Anjos, querida, retrata exatamente, ao meu ver, as pessoas contrárias ao amor, as pessoas contrárias à felicidade do outro, as pessoas contrárias ao outro. Aqui cabe uma pergunta (provocar-te é um exercício inerente ao meu querer): existe beleza na ignorância?
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Sabes, eu me lembro frequentemente de Dra. Stefania Buonamassa. Lembra-te de suas aulas à tarde, na disciplina de Produção de Texto? Naquelas aulas ela realizava verdadeiras leituras dramáticas, página por página, do clássico O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde. Lembras? Tamanha paixão que dedicara à leitura que parecia ter me enfeitiçado. Ela só pode ser uma feiticeira. A contramão da Medusa, ao invés de transformar seu observador em pedra, transformara pedra em flor (pareceu-te eufórico ou saudosista em demasia? É mais um daqueles nossos diálogos indizíveis a outrem). Eu acredito que nunca a agradeci por ter me apresentado ao Sr. Wilde. Fato é que mudara a minha vida... Não sei se soubeste, mas ela voltou à Itália. Poderíamos providenciar uma visita, já que, como disseste, achas que tu não te demorarás a vir à Europa. O que achas?
Caríssima amiga Carla Mesquita, eu preciso ir regar o meu jardim cultivado com mais de dois tipos de plantas. E se deus perdoou minha amada Lispector, empresto-me suas palavras: "... Receba em Teus braços meu pecado de pensar..."
Ósculos intensos do lado direito da tua face são enviados por mim junto a esta carta.
André Bonfim
Caríssima amiga Carla Mesquita, eu preciso ir regar o meu jardim cultivado com mais de dois tipos de plantas. E se deus perdoou minha amada Lispector, empresto-me suas palavras: "... Receba em Teus braços meu pecado de pensar..."
Ósculos intensos do lado direito da tua face são enviados por mim junto a esta carta.
André Bonfim
Hamburgo, neste 31 de março de 2015
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